Você daria uma pausa nos projetos pessoais para colocar a família como prioridade de vida? Foi exatamente isso o que Fernando Aguzzoli, de 22 anos, decidiu fazer ao trancar a faculdade de filosofia no começo do ano passado para se dedicar integralmente à avó, diagnosticada com Alzheimer.

Morador de Porto Alegre, ele ainda deixou o trabalho de lado para retribuir todo o carinho que a vovó Nilva havia dado à família ao longo dos anos. Além disso, contou Fernando, a decisão de passar mais tempo em casa foi uma forma que encontrou para incluir ainda mais a avó na sua vida e também ajudá-la a lidar com a doença.

No Brasil, estima-se que o Mal de Alzheimer acometa aproximadamente 1,2 milhão de pessoas. É uma doença neurodegenerativa, ainda sem cura, que ocorre na terceira idade e afeta principalmente a memória necessária para reter novas informações. À medida que a enfermidade evolui, passa a comprometer também a orientação, linguagem, julgamento, além da alteração de personalidade e a habilidade de realizar tarefas diárias comuns.

No caso da vovó Nilva, quando a perda de memória, as mudanças de humor e as dificuldades da doença foram se tornando constantes, ela passou a viver sob os cuidados do neto e da filha, a artesã Rose Marie, de 55 anos. Antes, Nilva de Lourdes morava sozinha em um apartamento na capital gaúcha e seguia uma vida mais independente.

Sucesso na rede

Em outubro de 2013, já com a avó vivendo sob o mesmo teto há alguns meses, Fernando decidiu criar a página ‘Vovó Nilva’ nas redes sociais para compartilhar as experiências do convívio, as lições aprendidas e a rotina de quem já estava chegando a um estágio mais avançado da doença.

Sempre com palavras de carinho, o jovem passou a escrever relatos de seus diálogos com a Vovó Nilva e outras situações do dia a dia - algumas inusitadas e cômicas, outras mais dramáticas.

Entre tantas histórias curiosas, Fernando destaca uma em que a avó vivia procurando um bicho de estimação pela casa - que, por sinal, a família não tinha. “Normalmente procurava dentro de gavetas, vasos, atrás da porta e outros lugares onde, por exemplo, um cão não caberia”, recorda ele.

Outra lembrança marcante era o costume da matriarca em mimar o neto com doces enquanto ele dormia; situação que o fazia acordar diversas vezes com uma colher dentro da boca. “Tudo faz parte, é só olhar com outros olhos e rir da situação. Depois é abraçá-la e agradecer o doce”, revelou o neto dedicado.

O sucesso das histórias foi tanto que hoje a página tem mais de 50 mil seguidores de todo o Brasil e também de outras partes do mundo. Fernando tornou-se um exemplo de um jovem que soube lidar com o Alzheimer de forma bem-humorada, deixando a tristeza e o conformismo em segundo plano. “Em uma doença onde há pouco avanço da medicina e muito medo por parte dos familiares, o melhor caminho é sempre optar pela filosofia da gargalhada: quanto mais, melhor!”, disse.

Em uma das postagens, ele conta que recebeu diversas mensagens de netos que mudaram a abordagem com os vovôs e vovós após a criação da página. Outras pessoas escreveram para contar de que formam lidam ou lidavam com a enfermidade. Isso é mais uma prova de que a internet pode ser usada como uma plataforma ‘do bem’ para dividir experiências de vida e inspirar outras pessoas.

Carinho, humor e paciência são indispensáveis para lidar com a doença

Buscar informações práticas para aplicar no cotidiano e lidar com as mudanças diárias é, para Fernando, alguns dos aspectos mais difíceis aos que convivem com a doença: “viver o dia a dia de um idoso, principalmente com uma condição especial, implica em vivermos a velhice com eles. Depois de experimentar a velhice precocemente com minha avó, vi que é quase proibido envelhecer no Brasil”, analisa.

Para ele, é preciso ainda fomentar esse debate amplamente e mostrar que carinho, humor e paciência são três itens indispensáveis para cuidar dos nossos pais e avós com o respeito e dignidade que merecem.

“A gratidão supera a perda”

Infelizmente, em dezembro de 2013, a querida vovó Nilva faleceu devido a uma infecção renal. Apesar da tristeza, Fernando contou ao Carinho Inspira Carinho que só tem a agradecer por ter tido a oportunidade de cuidar dela proximamente nos últimos meses de vida: “o luto é o primeiro a te mostrar que a gratidão supera a perda. Fui tão grato por poder retribuir esse carinho que ela teve por mim, que a tristeza não teve vez. Só saudade, claro, mas de forma saudável”, declarou.

Na memória, ficarão os momentos mais marcantes. Antes da doença, o jovem lembra das idas ao cinema com ela e dos almoços semanais preparados: “massa com o melhor molho do mundo e o bife à milanesa mais crocante que já comi”. Fernando também guardará para sempre a sensação das massagens pós-almoço que ela fazia nele e do soninho que tiravam juntos em seguida.

Histórias estarão em livro

A relação carinhosa e divertida entre neto e avó será contada em um livro, previsto para ser lançado no mês que vem. Intitulada “Quem, Eu?”, a obra contará a trajetória dos dois, da descoberta da doença às decisões e lições que Fernando aprendeu depois da partida da avó que tanto amava.

A intenção é divertir os leitores com os diálogos, mas também dar dicas sobre como a família que tem um idoso com Alzheimer pode encarar a doença de forma positiva. O livro será instrutivo e terá comentários feitos por especialistas ligados ao tema.

O mais emocionante dessa história inspiradora é ver a dedicação e o carinho com que um neto cuidou de sua avó até os últimos dias de vida - sempre com bom humor e desprendimento. Quer conhecer outras situações vividas por eles? Veja na galeria a seguir alguns díalogos irreverentes entre Fernando e vovó Nilva